Consagração
de Crianças
Somados todos os seguimentos religiosos que se autodenominam
cristãos, temos, basicamente, duas cerimônias cujo alvo é o recém-nascido: o
batismo ou a dedicação (apresentação ou consagração). Ambas carregam a crença
no poder de interferência do ato no futuro espiritual da criança e até no seu destino
eterno. Mas, de modo geral, têm mais a ver com a expectativa e afirmação da fé
professada pelos pais.
Dessa forma, nenhuma criança se torna cristã porque foi batizada
ou consagrada; portanto, não faz diferença o tipo de cerimônia a que é
submetida, tendo em vista que ainda não goza do discernimento para abraçar
determinado credo, o que inevitavelmente ocorrerá mais tarde, podendo não se
apegar a nenhum ou optar por outro que não o professado pelos pais.
Batizar ou consagrar?
O tema levanta debates sobre a validade de um e outro ato.
Tomando por base o texto bíblico, onde a maioria dos seguimentos cristãos
embasa suas crenças, nada encontramos de taxativo ou obrigatório, por não
conter mandamento específico no sentido de que os pais devam batizar ou dedicar
os filhos.
Entre os grupos evangélicos, os que batizam crianças, embasam
tal prática nos exemplos do Novo Testamento como Lídia, o carcereiro de Filipos
e Estéfanas:
“Depois de ser batizada, ela e toda a sua casa...”
[At 16.15.]
“...foi ele batizado e todos
os seus.”
[At 16.33.]
“Batizei também a casa de
Estéfanas...”
[1Co 1.16.]
No seu entender, o termo “casa” era mais abrangente que
“família”, incluídos aí também os servos [escravos] e empregados; logo, para os
que defendem o batismo infantil, tais textos permitem concluir que os filhos
eram naturalmente incluídos na cerimônia, pois, embora não os citem explicitamente,
tampouco os excluem.
Já os que repudiam o batismo de crianças e defendem a sua consagração,
escudam-se na apresentação de Jesus pelos pais, ignorando que José e Maria
estavam apenas cumprindo o que determinava a lei de Moisés, por ser menino seu
primeiro filho.
Sendo uma exigência da lei mosaica, específica para o povo
judeu, a ser realizada no templo em Jerusalém, nada tem a ver com os povos não
judeus, que vivem sob a graça. Se devêssemos nos sujeitar a essa exigência
porque Jesus o foi, como ficariam os demais filhos e filhas? Só apresentaríamos
o primeiro, se menino? Portanto, esse argumento não justifica a apresentação de
crianças.
Os pais levam os filhos a
Jesus
Outro argumento, igualmente frágil, dos que defendem a consagração,
era a iniciativa de alguns pais levarem os filhos a Jesus para serem por ele
abençoados. Embora buscassem algum benefício, uma oração, não os estavam
oferecendo a Jesus, pois não o viam como Deus, mas apenas como mais um mestre recém-surgido,
que passara a atrair a atenção de todos por ser diferente dos demais rabis.
Trouxeram-lhe, então, algumas crianças,
para que lhes impusesse as mãos e orasse;
mas os discípulos os repreendiam.
Mateus
19.13.
Então, lhe trouxeram algumas crianças
para que as tocasse... Mateus
10.13.
Traziam-lhe também as crianças,
para que as tocasse... Lucas
18.15.
Dedicar, apresentar ou
consagrar a criança?
Outros levantam ainda a questão do termo mais adequado:
apresentação, consagração ou dedicação? Lucas registra que Jesus foi apresentado no templo [2.22] em
cumprimento ao que determinava a lei no sentido de que todo primogênito deveria
ser consagrado [2.23], que significa
“separado para”.
Como dedicar a alguém algo
que lhe pertence?
Fica então a pergunta se o correto seria dedicar o filho a Deus.
Ocorre que não faz sentido dedicar a alguém algo que já lhe pertence; foi o
próprio Deus que o disse [Lv 27.26], referindo-se aos primogênitos dos animais.
Além do mais, o criador é dono de sua criação. Ora, Deus diz ter criado todos
os seres humanos e que estes pertencem a ele:
“Do Senhor é a terra e a sua
plenitude,
o mundo e aqueles que nele habitam.”
Salmo
24.1.
“Assim diz Deus, o SENHOR, que criou os céus e
os
estendeu, formou a terra e a tudo quanto
produz;
...que dá fôlego de vida ao povo que nela está
e o espírito aos que andam nela.” Isaías 42.5.
“Eis que todas as almas são minhas; como
a alma do pai, também a alma do filho é minha...”
Ezequiel
18.4.
“...Fala o Senhor... que forma o
espírito do homem
dentro dele.” Zacarias
12.1.
Dessa forma, se todos pertencem a Deus, não importa o termo
empregado, como lhe dedicar qualquer um deles? O ato não pode ser mais do que
expressão de ações de graça, confissão pública dos pais em reconhecimento de
que o filho não lhes pertence, que apenas lhes fora confiado. E como tal
deveria ser celebrado e anunciado:
“Celebração pela nascimento
do/a...”
“Cerimônia de ações de
graça pela chegada do/a...”
Tudo o mais que cerca a apresentação dos filhos a Deus, embora louvável,
é mera liturgia, consagrada pela tradição humana, não prevista na Bíblia como
ordenança.
Uma nova percepção da
cerimônia de consagração de crianças
Não é objetivo dessa exposição tecer discussão sobre a validade do
batismo de crianças ou de sua apresentação; tão somente levantar possibilidades
de como pode essa ser realizada, até então tão restrita a um mesmo padrão.
Essa cerimônia, praticada na maioria das igrejas ditas
evangélicas, costuma limitar-se a uma oração pelos pais e pela criança. Alguns
oficiantes proferem bênçãos quanto ao futuro do dedicando, emprestando-lhe
muitas vezes caráter profético. Ainda alguns tomam dos pais o compromisso de
orientarem a criança dentro dos princípios cristãos contidos na Bíblia, o que
também é mera liturgia. Os evangelhos não registram nenhuma exigência de Jesus
para com os pais que o procuraram ansiosos em conseguir sua bênção sobre a vida
dos filhos.
Ainda, alguns pais se valem da ocasião como pretexto para levar
os parentes à igreja que frequentam – avós, tios, primos – e até mesmo amigos e
vizinhos que, na hora da oração, são convidados a se porem de pé ou se
deslocarem até a frente e estenderem as mãos, juntamente com os demais presentes,
na direção da criança para a abençoarem.
Independente do lugar onde se realize a cerimônia, essa seria
uma boa ocasião para alertar aqueles que exercerão influência sobre a criança quanto
à severa advertência de Jesus àqueles que criarem embaraços à sua fé, fazendo-a
tropeçar ou se escandalizar:
Qualquer, porém, que fizer tropeçar a um destes
pequeninos que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe
pendurasse ao pescoço uma grande pedra de moinho, e fosse
afogado na profundeza do mar.
Mateus 18.6.
E quem fizer tropeçar a um destes pequeninos
crentes, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço
uma grande pedra de moinho, e fosse lançado no mar. Marcos
9.42.
Esses textos alertam-nos, em especial, contra a deliberada
decisão de desconstruir na criança a fé em Jesus. A advertência vale para todos
que com ela convivem: são responsáveis pela influência que exercem sobre ela. E
quanto maior a influência, maior a responsabilidade. E a melhor contribuição que
podem dar na sua formação é serem para ela um bom exemplo.
O que o ato deve comunicar
aos presentes
Os pais que tomam a iniciativa de formalizar a consagração do
filho a Deus de forma pública, ainda que apenas no âmbito familiar, estão, na
verdade, comunicando aos presentes, quanto à orientação espiritual da criança,
três coisas básicas:
§
O tipo de ensinamento e fé que pretendem construir
na criança.
§
O comprometimento de não delegar tal responsabilidade
à igreja
nem à escola.
§
O desejo de que todos os que conviverem com a criança
respeitem essa
opção.