quinta-feira, 18 de julho de 2013


Consagração de Crianças

 
Somados todos os seguimentos religiosos que se autodenominam cristãos, temos, basicamente, duas cerimônias cujo alvo é o recém-nascido: o batismo ou a dedicação (apresentação ou consagração). Ambas carregam a crença no poder de interferência do ato no futuro espiritual da criança e até no seu destino eterno. Mas, de modo geral, têm mais a ver com a expectativa e afirmação da fé professada pelos pais.

Dessa forma, nenhuma criança se torna cristã porque foi batizada ou consagrada; portanto, não faz diferença o tipo de cerimônia a que é submetida, tendo em vista que ainda não goza do discernimento para abraçar determinado credo, o que inevitavelmente ocorrerá mais tarde, podendo não se apegar a nenhum ou optar por outro que não o professado pelos pais.

Batizar ou consagrar?

O tema levanta debates sobre a validade de um e outro ato. Tomando por base o texto bíblico, onde a maioria dos seguimentos cristãos embasa suas crenças, nada encontramos de taxativo ou obrigatório, por não conter mandamento específico no sentido de que os pais devam batizar ou dedicar os filhos.

Entre os grupos evangélicos, os que batizam crianças, embasam tal prática nos exemplos do Novo Testamento como Lídia, o carcereiro de Filipos e Estéfanas:

“Depois de ser batizada, ela e toda a sua casa...”
[At 16.15.]

“...foi ele batizado e todos os seus.”
[At 16.33.]

“Batizei também a casa de Estéfanas...”
[1Co 1.16.]

No seu entender, o termo “casa” era mais abrangente que “família”, incluídos aí também os servos [escravos] e empregados; logo, para os que defendem o batismo infantil, tais textos permitem concluir que os filhos eram naturalmente incluídos na cerimônia, pois, embora não os citem explicitamente, tampouco os excluem.

Já os que repudiam o batismo de crianças e defendem a sua consagração, escudam-se na apresentação de Jesus pelos pais, ignorando que José e Maria estavam apenas cumprindo o que determinava a lei de Moisés, por ser menino seu primeiro filho.

Sendo uma exigência da lei mosaica, específica para o povo judeu, a ser realizada no templo em Jerusalém, nada tem a ver com os povos não judeus, que vivem sob a graça. Se devêssemos nos sujeitar a essa exigência porque Jesus o foi, como ficariam os demais filhos e filhas? Só apresentaríamos o primeiro, se menino? Portanto, esse argumento não justifica a apresentação de crianças.
 
Os pais levam os filhos a Jesus

Outro argumento, igualmente frágil, dos que defendem a consagração, era a iniciativa de alguns pais levarem os filhos a Jesus para serem por ele abençoados. Embora buscassem algum benefício, uma oração, não os estavam oferecendo a Jesus, pois não o viam como Deus, mas apenas como mais um mestre recém-surgido, que passara a atrair a atenção de todos por ser diferente dos demais rabis.

Trouxeram-lhe, então, algumas crianças,
para que lhes impusesse as mãos e orasse;
mas os discípulos os repreendiam.
Mateus 19.13. 

Então, lhe trouxeram algumas crianças
para que as tocasse... Mateus 10.13.

Traziam-lhe também as crianças,
para que as tocasse... Lucas 18.15.

Dedicar, apresentar ou consagrar a criança?

Outros levantam ainda a questão do termo mais adequado: apresentação, consagração ou dedicação? Lucas registra que Jesus foi apresentado no templo [2.22] em cumprimento ao que determinava a lei no sentido de que todo primogênito deveria ser consagrado [2.23], que significa “separado para”.

Como dedicar a alguém algo que lhe pertence?

Fica então a pergunta se o correto seria dedicar o filho a Deus. Ocorre que não faz sentido dedicar a alguém algo que já lhe pertence; foi o próprio Deus que o disse [Lv 27.26], referindo-se aos primogênitos dos animais. Além do mais, o criador é dono de sua criação. Ora, Deus diz ter criado todos os seres humanos e que estes pertencem a ele:

“Do Senhor é a terra e a sua plenitude,
o mundo e aqueles que nele habitam.”
Salmo 24.1.

“Assim diz Deus, o SENHOR, que criou os céus e os
estendeu, formou a terra e a tudo quanto produz;
...que dá fôlego de vida ao povo que nela está
e o espírito aos que andam nela.” Isaías 42.5.

“Eis que todas as almas são minhas; como
a alma do pai, também a alma do filho é minha... 
Ezequiel 18.4.

“...Fala o Senhor... que forma o espírito do homem
dentro dele.”  Zacarias 12.1.

Dessa forma, se todos pertencem a Deus, não importa o termo empregado, como lhe dedicar qualquer um deles? O ato não pode ser mais do que expressão de ações de graça, confissão pública dos pais em reconhecimento de que o filho não lhes pertence, que apenas lhes fora confiado. E como tal deveria ser celebrado e anunciado:

“Celebração pela nascimento do/a...”
“Cerimônia de ações de graça pela chegada do/a...”

Tudo o mais que cerca a apresentação dos filhos a Deus, embora louvável, é mera liturgia, consagrada pela tradição humana, não prevista na Bíblia como ordenança.

Uma nova percepção da cerimônia de consagração de crianças

Não é objetivo dessa exposição tecer discussão sobre a validade do batismo de crianças ou de sua apresentação; tão somente levantar possibilidades de como pode essa ser realizada, até então tão restrita a um mesmo padrão.

Essa cerimônia, praticada na maioria das igrejas ditas evangélicas, costuma limitar-se a uma oração pelos pais e pela criança. Alguns oficiantes proferem bênçãos quanto ao futuro do dedicando, emprestando-lhe muitas vezes caráter profético. Ainda alguns tomam dos pais o compromisso de orientarem a criança dentro dos princípios cristãos contidos na Bíblia, o que também é mera liturgia. Os evangelhos não registram nenhuma exigência de Jesus para com os pais que o procuraram ansiosos em conseguir sua bênção sobre a vida dos filhos.

Ainda, alguns pais se valem da ocasião como pretexto para levar os parentes à igreja que frequentam – avós, tios, primos – e até mesmo amigos e vizinhos que, na hora da oração, são convidados a se porem de pé ou se deslocarem até a frente e estenderem as mãos, juntamente com os demais presentes, na direção da criança para a abençoarem.

Independente do lugar onde se realize a cerimônia, essa seria uma boa ocasião para alertar aqueles que exercerão influência sobre a criança quanto à severa advertência de Jesus àqueles que criarem embaraços à sua fé, fazendo-a tropeçar ou se escandalizar:

Qualquer, porém, que fizer tropeçar a um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma grande pedra de moinho, e fosse afogado na profundeza do mar.
Mateus 18.6. 

E quem fizer tropeçar a um destes pequeninos crentes, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma grande pedra de moinho, e fosse lançado no mar. Marcos 9.42.

Esses textos alertam-nos, em especial, contra a deliberada decisão de desconstruir na criança a fé em Jesus. A advertência vale para todos que com ela convivem: são responsáveis pela influência que exercem sobre ela. E quanto maior a influência, maior a responsabilidade. E a melhor contribuição que podem dar na sua formação é serem para ela um bom exemplo.

O que o ato deve comunicar aos presentes

Os pais que tomam a iniciativa de formalizar a consagração do filho a Deus de forma pública, ainda que apenas no âmbito familiar, estão, na verdade, comunicando aos presentes, quanto à orientação espiritual da criança, três coisas básicas:

§  O tipo de ensinamento e fé que pretendem construir
     na criança.
§  O comprometimento de não delegar tal responsabilidade
     à igreja nem à escola.
§  O desejo de que todos os que conviverem com a criança
     respeitem essa opção.