domingo, 14 de julho de 2013


O costume de abençoar as crianças

De modo geral, o casal judeu tinha duas preocupações com os filhos que lhe nasciam. Uma era com o nome, escolhido com critério e cujo significado traduzia suas expectativas em relação a eles. Os nomes iniciados ou terminados por EL ou IAS indicavam que Deus fazia parte do seu significado. O nome Samuel traduzida sua origem: “do Senhor o pedi” (1Samuel 1.20.) Os de Jesus  – Josué me hebraico –, o informado pelo anjo que anunciou seu nascimento traduzia sua missão e o profetizado por Isaías, 700 anos antes, a razão de sua encarnação – Deus habitando entre nós:

...e lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará
o seu povo dos pecados deles. Mateus 1.21.

...ele será chamado pelo nome de Emanuel
(que quer dizer: Deus conosco).
Mateus 1.23 (Isaías 7.14).

Outra preocupação dos pais se voltava para o futuro do filho. Desejavam proteção de males, doenças. Daí o costume de, já ao tempo de Jesus, os israelitas levarem os filhos, ainda pequeninos, para serem abençoados pelos rabinos, anciãos ou chefes das sinagogas.

E é desse costume que decorre a insistência dos pais em conseguir aproximar as crianças de Jesus. Afinal, o novo rabino fazia milagres, impressionava a todos e certamente tinha poderes de abençoar. E os que insistiam em furar o bloqueio dos discípulos, conseguiam seu intento: que o Mestre as tocasse. Jesus não apenas as acolhia e abençoava, mas também censurava a atitude dos seus auxiliares.

Tais encontros certamente se deram nos ambientes menos prováveis para a mentalidade religiosa. O cenário era onde encontravam Jesus, no seu mover constante entre vilas e cidades, nos campos ou a beira-mar. E, ao contrário da apresentação do primeiro filho ao templo, de caráter obrigatório, eram atos voluntários, movidos pelas crenças dos pais quanto a possíveis poderes dos líderes religiosos.

Mas os discípulos constituíam um obstáculo aos pais que tentavam levar os filhos para serem abençoados por Jesus. Agiam como os guarda-costas dos políticos nos dias de hoje, julgando ser sua responsabilidade formar um cordão de isolamento em torno do Mestre, como se Jesus necessitasse sua proteção, esquecidos de que foram chamados para segui-lo – quem segue vai atrás – não para rodeá-lo ou ir à frente abrindo caminho, fazendo uma triagem e decidindo quem podia dele se aproximar.

De certa forma, foi bom esse incidente, pois, caso os pais tivessem acesso a Jesus através da intermediação dos discípulos, certamente seria respaldo de alguma doutrina fundamentada nesse episódio assegurando a necessidade e até obrigatoriedade de um intermediador – ministro, pastor, sacerdote, bispo – na consagração das crianças, para sua validade.

A receptividade de Jesus para com as crianças

Jesus reprovou a postura dos discípulos em relação à aproximação das crianças; na verdade, ele ficou indignado. Aliás, há apenas dois registros de Jesus ter manifestado indignação. Uma das ocasiões foi essa.

Jesus, porém, vendo isto, indignou-se e disse-lhes:
Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis,
porque dos tais é o reino de Deus. Marcos 10.14.

Ao contrário dos que pensavam os discípulos, Jesus dá às crianças atenção especial: impõe-lhes as mãos, as toma nos braços, abençoa-as e ora por elas.
 
Trouxeram-lhe, então, algumas crianças
para que lhes impusesse as mãos e orasse...
e, tendo-lhes imposto as mãos...
Mateus 19.13, 15.
 
Então, lhes trouxeram algumas crianças
para que as tocasse... tomando-as nos braços
e impondo-lhes as mãos, as abençoava.
Marcos 10.13, 16.


Traziam-lhe também as crianças*, para que as tocasse; e os discípulos, vendo, os repreendiam.
Jesus, porém, chamando-as para junto de si, ordenou: Deixai vir a mim os pequeninos...”
Lucas 18.15, 16.

*"A versão de Lucas é especialmente digna de consideração, pois demonstra que algumas crianças, se não todas elas, levadas a Jesus eram 'bebês'. A Palavra grega utilizada aqui é diferente da traduzida por 'crianças' em Mateus e Marcos." Donald Bridge e David Phypers, em Águas que dividem, págs. 34-35. 

Na mente dos discípulos, as crianças eram muito pouco importantes para ocuparem o tempo de Jesus. A tentativa de impedirem as crianças de se aproximarem de Jesus lembra bem a forma como as crianças eram tratadas até algum tempo atrás, já no século vinte, quando chegava alguma visita. Todas eram orientadas a nem passar pela sala. Para ali adentrarem, só se fossem chamadas. Eram de todo excluídas. Deviam ir “lá para os fundos”, não fazer barulho, não chamarem a atenção para si.


A importância das crianças

Citadas inúmeras vezes para ilustrar seus ensinos, inclusive os direcionados especificamente aos discípulos, Jesus conferiu às crianças, que até então nem eram percebidas, importância ímpar, com ações e afirmações surpreendentes:
         O perfeito louvor vem delas.
         Mateus 21.16.

     O reino dos céus é delas.
     Mateus 19.14; Marcos 10.14.
     
        Para entrar no reino dos céus tem
        de se tornar com uma delas.
        Mateus 18.2.

      Quem acolhe uma delas em nome de Jesus,
       recebe-o a ele e ao Pai.
       Mateus 18.5; Marcos 9.37.

      Quem quiser ser o maior no reino dos céus
   deve se tornar como uma delas. Marcos 10.15.
     
      Ai daquele que criar embaraços à fé de
     uma criança,  fazendo-a tropeçar ou se
     escandalizar.   Mateus 18.6; Marcos 9.42.

A iniciativa e motivação da consagração

Dessa forma, desobrigados das exigências da lei de Moisés e tomando por base o costume neotestamentário de levar as crianças para serem abençoadas pelos mestres e rabinos, podemos concluir que o ato de consagração do filho deve ser de iniciativa dos pais, como expressão de gratidão pela vida a eles confiada. Um ato de ações de graça, imbuído da consciência de suas implicações, principalmente de que os filhos não lhes pertencem. Do contrário, não terá qualquer valor se decorrer de motivações erradas, tais como:

  • apenas um evento social para reunir pessoas e promover uma festa;
  • ceder a pressões e cobranças de parentes, amigos, conhecidos – dar satisfação aos outros;
  • para agradar esta ou aquela pessoa, por mais importante que seja para os pais;
  • para atender à crença de um ou outro;
  • como mera prática religiosa, “como de costume".


Reafirmamos: sendo a motivação errada, nenhum valor tem o ato público em si. É preferível que os pais não se sujeitem a dedicar o filhos motivados apenas em não contrariar este ou aquele, e porque “todo mundo faz”. 



Sendo a motivação correta, o acontecimento pode ser uma excelente oportunidade para se promover a disseminação do evangelho, pois, conforme for conduzido o ato, transmitirá sua mensagem aos convidados, ainda que apenas com a exposição no local de textos bíblicos relacionados à ocasião.